Como a masculinidade tóxica e a falta de autocuidado matam cada vez mais

Na cultura patriarcal, o homem foi compelido a ser inatingível, forte, e um símbolo de saúde e vigor que remete à indestrutibilidade. Deixando a saúde de lado em prol da sua masculinidade, o homem nunca adoeceu (e morreu) tanto quanto agora

Na cultura patriarcal, o homem foi compelido a ser inatingível, forte, e um símbolo de saúde e vigor que remete à indestrutibilidade. Dito assim, soa similar ao comportamento do berço das civilizações modernas, onde guerreiros míticos lutavam sob qualquer obstáculo, físico ou não – tendo a morte como o único possível adversário que poderia, por fim, vencê-lo.

Mas não. Esta é uma perspectiva que, infelizmente, segue atual. Uma geração cresceu assistindo aos ídolos sob uma ótica similar: guerreiros de faroeste, justiceiros e militares como Rambo e John McClane, o arquétipo do “Exército de um Homem Só”. Esses exemplos, extrapolaram a cultura pop e se tornaram modelos, estimulando a ideia de invencibilidade, o que é, claro, impossível. Deixando a saúde de lado em prol da masculinidade, o homem nunca adoeceu tanto quanto agora.

E o homem gay? Bom, os homossexuais das gerações boomer e X seguiam a mesma premissa de blindar-se de qualquer traço de fragilidade. O medo de serem taxados, de perderem emprego e família por conta do preconceito, os trancou indeterminadamente dentro dos armários; adoecendo sozinhos. Mesmo quem vivia abertamente assumido, sofria muitas vezes pela negligência do Estado. Por exemplo, depois do surgimento da epidemia do vírus HIV, que marcou a comunidade gay nas décadas de 80 e 90, aumentou ainda mais a evasão dos homens ao sistema de saúde. No fim, somente agora, com o surgimento cadente do termo “metrossexual” – que o homem do século XXI pôde sentir-se livre para olhar para o próprio corpo não como uma máquina. Mas os números ainda preocupam, e muito.

Novembro Azul

O movimento Novembro Azul nasceu de uma iniciativa focada na prevenção, assim como o Outubro Rosa. Buscando conscientizar os homens sobre a importância da atenção ao câncer de próstata, já que segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer, cerca de 66 mil novos casos devem ser diagnosticados somente até o fim deste ano. A doença ocupa a primeira posição no Brasil.

A periodicidade do exame aumenta as chances de cura com o diagnóstico precoce. Criado em 2003, o mês de novembro foi escolhido justamente por conta do Dia Mundial de Combate ao Câncer de Próstata, no dia 17 de novembro.

Para o Ministério da Saúde, é uma oportunidade também de sensibilizar os profissionais de saúde quanto às ações de autocuidado e cuidado integral, considerando os fatores socioculturais relacionados à masculinidade. Toda a comunicação se baseia na promoção, proteção e prevenção.

IST’s e o Estigma Social

Além do cuidado preventivo com o câncer de próstata, boca e pênis – as IST’s seguem sendo um grande tabu dentro da sociedade, tanto para os homossexuais quanto para os héteros. Pelo estigma carregado na forma de contágio, muitos homens sequer sabem que carregam as doenças, aumentando drasticamente o contágio.

Para se ter uma ideia, as infecções transmitidas por relação sexual são causadas por mais de 30 vírus e bactérias através do contato sem o uso de preservativos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), todos os dias ocorrem cerca de 1 milhão de novas infecções, um número totalmente evitável.

O governo chama atenção, principalmente, para a alta taxa de detecção do vírus da AIDS (HIV) entre indivíduos jovens, de 15 a 29 anos, e também o aumento exponencial da sífilis e das hepatites virais. Muito embora o HIV ainda seja, de forma preconceituosa, comumente associado como uma doença de “homens gays”, a transmissão entre casais heterossexuais superou o contágio do então chamado grupo de risco. As mulheres em relações estáveis, são as mais prejudicadas. Muitas delas descobrem viver com o HIV por acaso, e esse diagnóstico tardio as coloca em um estado de extrema vulnerabilidade, tanto física quanto psicológica.

PrEP e o preconceito 

Muito tem se falado sobre o uso preventivo da PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV). O método consiste na tomada diária de um comprimido que permite ao organismo estar preparado para enfrentar um possível contato com o HIV antes da relação sexual.

Para muitos, uma luz no fim do túnel para o controle da epidemia de HIV, para outros, em cunho moral, uma porta de entrada para o risco ainda maior de exposição. O fato é que este debate abrange muitos tópicos, e ainda está no início. Muitas das discussões tem linhas pouco definidas do que é cientificamente comprovado, e o que é puro preconceito social. “Vou precisar continuar a usar camisinha?” é a primeira pergunta que surge, e a resposta é sempre SIM. O estigma, o preconceito em todas as esferas, mesmo dentro das unidades de saúde, prejudica muito o enriquecimento de informações sobre este tema. 

No Brasil, por exemplo, os dados são concentrados em alguns segmentos populacionais que respondem pela maioria de casos novos da infecção, como homens gays e homens que praticam sexo sem camisinha por qualquer razão. Para além desse grupo padrão, têm-se profissionais do sexo e pessoas trans/travestis, que são infelizmente marginalizadas pela exclusão social. Porém, o pertencimento a um desses grupos não é suficiente para categorizar indivíduos. A exposição ao vírus não remete necessariamente a grupos, mas sim a comportamentos de risco em geral, independente de classe social, gênero e orientação sexual.

Grupos marginalizados frequentemente estão sujeitos a situações de discriminação. Para esses casos, a PrEP se insere sim como uma estratégia adicional de prevenção disponível no SUS, com o objetivo de reduzir drasticamente a transmissão do HIV e contribuir para o fim dessa epidemia que já levou tantas pessoas à morte. Vale enfatizar mais uma vez: estes grupos com facilidade de exposição ao vírus, não podem e não devem nunca ser associados a comportamentos que passam pelo crivo moral. A palavra “promiscuidade” deve ser excluída do debate em qualquer nível, sendo esse o grande empecilho no avanço das informações de políticas públicas.

Perfis que falam sobre saúde masculina

Jairo Bouer@jairoboueroficial
Jairo é mais que um médico, alcançando hoje em dia o status de referência na cultura pop sobre sexualidade. Atua há mais de 25 anos como formador de opinião, sendo presença constante em programas de TV, rádio, jornais, sempre trazendo luz a temas polêmicos com muita informação e bom humor. É apresentador, escritor, palestrante, e atualmente colunista da sessão Viva Bem do Portal UOL.

Jonas Maria – @jonasmariaa
Jonas não é formado em medicina, mas ganhou notoriedade entre 2016 e 2017, quando passou a postar vídeos trimestrais relatando as mudanças ocorridas após o uso da testosterona em sua transição de gênero. Jonas constantemente evoca temas de saúde extremamente pertinentes para a comunidade trans em seu canal no Youtube, mas também aborda temas diversos como tecnologia, vivências, linguagens e muito mais.

Drauzio Varella@sitedrauziovarella
Drauzio é oncologista, cientista e escritor brasileiro, formado pela USP – talvez o médico mais conhecido do país atualmente. Suas falas inclusivas, precisas e didáticas, são de extrema importância para o debate da saúde do brasileiro, especialmente em tempos onde a ciência é facilmente descreditada. Além de abordar temas de saúde em geral, sempre pontua muito bem assunto ligados a população LGBTQIA+ e também de saúde masculina.


O mais importante é sempre estar aberto às discussões. A saúde do homem passa primeiro pelo fato de que somos todos vulneráveis, de que temos um corpo que necessita de constante reavaliação e cuidados. A cultura do “macho” precisa ser exterminada, pois é esta que coloca, ironicamente, o homem em um cenário de extrema vulnerabilidade e mortalidade.

Vá ao médico regularmente. Esteja vivo. Fique bem.