Mês do orgulho — o que é festa e o que é luta?

O mês de visibilidade LGBTQIAP+ traz uma sensação de festa, mas também o lembrete de que há muito a conquistar quando o assunto é igualdade.

Mês de Junho foi o mês em que todos os LGBT’s estavam em foco — bandeiras levantadas, hashtags, textos, a Parada na Avenida Paulista (que pelo segundo ano consecutivo foi transmitida remotamente pela Dia Estúdio), — empresas globais mudaram seus avatares em prol da causa. Tudo isso gerou a sensação de progresso, de unidade, de aceitação. Mas essa sensação é verdadeira? Não, não é. O mês foi de orgulho, e o que deveria ser festa, na verdade foi/é um palco para intensificação de pautas e lutas… ainda!

É muito bonito ver sua empresa, amigos e seus familiares colocando avatares com as cores da bandeira. Porém, os LGBT’s ainda fazem parte de uma estatística triste. Quando se fala de vidas que se perdem a cada 28h no Brasil, precisamos olhar para todos os ângulos dessa faceta — o micro e macro visto de maneira sistêmica.

Olhando de maneira abrangente, a homofobia não respeita imposições de raça, de gênero, isso é um fato. Todo LGBT é passível de sofrer violência em alguma esfera, seja esta física ou psicológica, e em muitos casos, ambas. Contudo, quando outros fatores se somam, a equação se transforma. Um homem gay negro e pobre, tem muito mais chances de sofrer violência do que um homem gay branco e rico — o fator racial se sobrepõe e expande o fator orientação sexual. Uma lésbica, tem mais chance de sofrer violência do que qualquer homem gay — pois antes, ela é vítima do patriarcado. Obviamente que o fator socioeconômico e geográfico em uma cidade como São Paulo pode proteger em partes a sua existência em comparação aos círculos mais distantes do centro, porém, uma mulher no Brasil, continua sendo uma mulher no Brasil — lésbica ou hétero — isso é um agravante para crimes como o feminicídio e/ou crimes de ódio.

Em direção à periferia, esses muros vão aos poucos se condensando; quando os fatores socioeconômicos se aproximam, as mazelas se somam. No começo do mês, um jovem em Florianópolis sofreu um estupro coletivo e teve diversas tatuagens feitas com objetos cortantes, contendo palavras vexatórias e homofóbicas. Florianópolis é uma cidade mais de vinte vezes menor que São Paulo. Crimes como esse ainda continuam escondidos em cidades menores, ou mesmo alocados nos bairros mais afastados das capitais, onde os corpos LGBT’s invisíveis morrem todos os dias sem entrar nas estatísticas. Um serial killer em Curitiba assassinou três homens gays após marcar encontros sistemáticos através de aplicativos de relacionamento. Não bastasse o medo de sofrer violência diária, nem mesmo quando busca-se a companhia de alguém que possa compartilhar afeto as pessoas LGBTQIAP+ estão seguras.

Apresentação da cantora Majur durante a 25ª edição da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo

Quando o assunto é visibilidade, há um longo caminho para ser transformado. Enquanto a sigla migrava de GLS para GLBT, e posteriormente de LGBT para o que conhecemos hoje como LGBTQIAP+, a ideia de inserção não necessariamente corresponde a igualdade e representatividade. Pessoas que atendem a letra G ainda possuem maior protagonismo quando somado, novamente, ao patriarcado, cor da pele, posição geográfica e fatores econômicos. Reiterando: não significa que não sofram com a homofobia, mas apenas que podem ser protegidos em algum nível na somatória de todos esses fatores.

Mulheres lésbicas sofrem mais com a violência quando somadas ao mal do patriarcado. Segundo dados da UFRJ, cerca de 126 mulheres foram mortas no Brasil entre 2014 e 2017 somente por serem lésbicas. Cerca de 55% dos casos acontecem com mulheres que não seguem o comportamento padrão de feminilidade socialmente imposto. Mulheres Trans e Travestis têm a triste expectativa de vida de apenas 35 anos, enquanto a média do restante da população brasileira chega aos 76 anos. Essa média é comparada a países africanos que passam por guerras civis e enfrentam altos índices de mortalidade por fome e doenças tratáveis. Uma travesti foi incendiada viva em Recife na última semana, como se cravasse na história do mês de junho de 2021 o quanto ainda é preciso lutar.

Em 2021, quando tantas lutas e mortes já foram contabilizadas, a esperança de pessoas LGBT’s é que as pautas avancem. De acordo com um levantamento, 38% das empresas afirmam que não contratariam pessoas LGBTQIAP+ e 61% dos funcionários LGBT’s no Brasil escolhem esconder de colegas e gestores sua orientação sexual.

Enquanto for necessário lutar apenas por existir e sobreviver, não vai haver espaço para os próximos degraus dessa caminhada. Precisa-se falar sobre o mercado de trabalho para pessoas trans e travestis, da inserção de modelos de inclusão de pessoas de todos os gêneros e orientações nos mais diferentes lugares. Desconstruir a binaridade grotesca em que a nossa sociedade está imersa. Legislar de forma a proteger a vivência dessas pessoas.

Existem infinitos outros armários para além de se assumir LGBTQIAP+; e precisamos quebrá-los o ano todo, não somente no mês de junho.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Criadores iD